Há dias em que me sento em frente a uma cómoda.
Nas gavetas há baralhos de fotografias velhas - baralhados, baralhadas. Com os dedos percorro décadas documentadas em pedaços de papel impressos, de má qualidade e azeda-me o paladar quando percebo que são apenas retratos. São figurinos, modelos e composições estáticas. Fôlegos apanhados num tempo e perdidos no tempo. Não são sequer momentos, nem fragmentos, nem nada... - são retratos.
E a culpa não é dos retratos, nem de quem retrata - é, quase certamente, dos retratados.
Resta-me apenas tentar imaginar que talvez para os figurinos tenham sido histórias, estórias. Resta-me crer que tenham vivido em cores condensadas e vivas. Cores de movimento.
Levanto-me da poltrona e vou para a cozinha, ouvir a minha mãe ironizando - divertida - sobre o enorme esforço que demonstro em receber o testemunho sobre o qual escrevi há dias.
Fingo não dar muito interesse, teimosa. Por dentro, sorrio de concórdia - ela tinha razão!
A verdade é que não estava a pensar nisso, pensava apenas no esforço que farei para não cair nas poses dos retratos que lhe mostrei - nem a minha avó lhes conhecia as faces.
Decido viver as minhas poses com movimento. Ou os movimentos sem a pose.
Decido que não gosto de retratos sem estórias - apenas porque as estórias são o que prova que já estivemos vivos.
As estórias, o sangue quente e o cheiro a farrapo-velho - que não se imprimem nos retratos.
Decido tudo isto enquanto o Diabo esfrega um olho.
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